segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

4 olhares

"Se olho para mim, 
me deprimo.
 Quando olho para os outros,
me iludo.
Quando olho para as minhas circunstâncias, 
me desencorajo,
 mas quando olho para Cristo estou completo." 

Steven Lawson

O soldado Ivan

O texto de hoje é uma resenha de uma das maiores obras da literatura cristã: "Ivan, o soldado cristão que enfrentou o terror policial soviético". O livro de título grande é uma obra antiga e bem difícil de encontrar nas livrarias hoje em dia. Eu, particularmente, sempre preferi livros que contam testemunhos reais de cristãos fiéis do que os de "auto-ajuda", como Max Lucado, por exemplo. Testemunhos de pessoas, sujeitas às mesmas paixões que nós, sempre fortalece e anima a nossa fé.

Ivan, escrito por Myrna Grant e publicado no Brasil pela Editora Betânia, conta a história verídica de um jovem soldado russo que se recusou a negar sua fé em Cristo e pagou com sangue por isso.


Ivan Moiseyev nasceu em 1952 na Moldávia, um país na Europa Oriental. Filho de pais batistas, nos dias em que ia pregar na sua Igreja local, as meninas se amontoavam até na janela da congregação para poder vê-lo; era muito rapaz muito bonito.

 Em 1970, em plena União Soviética, ele é chamado para cumprir o serviço militar no exército vermelho. Lá,  não se intimida com os ideais do comunismo ateu de seus superiores. Lê a Bíblia e prega a mensagem de salvação para seus companheiros de farda. Não demora, ele é chamado para explicar seu comportamento, apesar de ter sido um soldado exemplar.

 Seus superiores ordenam que Ivan pare de falar de Jesus para seus colegas e que negue sua fé. Mas, o jovem não cede. Os chamados na sala dos oficiais do exército vermelho se repetem com frequência, mas não têm resultados; Ivan afirma que não irá largar sua fé.

Enquanto isso, outros soldados estão se convertendo ao evangelho pela pregação dsoldado cristão. Milagres acontecem dentro dos alojamentos e claro, os comandantes ficam sabendo. Ao se recusar a deixar o cristianismo, Ivan recebe castigos, é preso e torturado, mas a mão poderosa de Deus o livra de todo o mal que lhe fazem:

“O primeiro contato com o ar frio foi como um tapa no rosto que lhe provocou dor de cabeça que fez os seus olhos lacrimejarem. Ele se retraiu instintivamente para fugir ao vento gelado que lhe ardia as orelhas. Sabia muito bem que as janelas dos alojamentos às escuras estariam cheias de cabeças que o espiavam. A luz da rua iluminava a ruela e os bancos de neve contra a silhueta dos prédios. Entesou os músculos, como que tentando resistir às lufadas geladas. Olhou o relógio. Passava um minuto das dez horas.
Teria tempo de sobra para orar. Começou hesitantemente, sentindo nascer em seu coração um leve temor, que logo procurou afastar. Quanto tempo poderia suportar? E se ele sentisse tanto frio que acabasse cedendo? E se morresse congelado? Será que o deixariam ali até morrer? Tentou concentrar-se na oração, mas o pânico comprimia seu peito. Quanto tempo levaria para morrer congelado? Seria uma morte rápida? E se de manhã ele estivesse quase congelado e eles o reavivassem? Ouvia dizer que a dor causada pelo congelamento dos membros era terrível. E se tivessem de amputá-los? Tinha de desviar o pensamento destas coisas. Começou a cantar: “O gozo do Senhor é a sua força; o gozo do Senhor é a sua força”.
De repente a gloriosa visão que tivera pela manhã voltou-lhe à lembrança. Olhou para o lago distante dali, mas perfeitamente visível ao luar. Parecia que a luz angelical permanecia lá.
‘Não tema. Vai. Eu vou com você’, dissera o anjo.
Ele se referia ao aconteceria à noite. Sentiu novamente o mesmo calor que experimentara naquele momento. Abriu os lábios e começou a orar baixinho, mas fervorosamente.
Eram 24:30h quando sua atenção foi atraída por passadas que rangiam sobre a neve. Abrigados em sobretudos, três oficiais caminhavam vagarosamente em sua direção, vindos do alojamento.
Suas vozes eram ásperas, e quase perdidas em meio ao assovio do vento.
- Muito bem. Moiseyev, já reconsiderou a sua posição? Quer entrar? Cansou-se de ficar aqui fora?
Apesar da semi-escuridão, o rapaz pôde perceber que eles o fitavam ligeiramente apreensivos. Será que ele não estava sentindo frio?
- Obrigado camaradas oficiais. Eu gostaria muito de entrar e ir dormir, mas não concordo em parar de falar a respeito de Deus.
- Quer dizer que vai ficar aqui a noite toda? O rosto dele exibia uma expressão de medo.
- Preferiria não ficar. Mas não vejo como isso seria possível, de outro modo. Além disso, Deus está me ajudando.
De pé em posição de sentido, Ivan esfregava as mãos com a ponta dos dedos. Sua voz tremia pela emoção. As mãos estavam frias, mas não mais frias de quando se trocara, no alojamento. Tentou exercitar também os dedos dos pés. Moveram-se facilmente, sem nenhuma dificuldade. Foi então que um grande espanto começou a nascer dentro dele. Olhou para os oficiais com grande comoção interior – apesar dos pesados capotes, eles estavam enregelados. Batiam os pés e as mãos, movendo-se constantemente, impacientes para retomarem aos dormitórios aquecidos. Daí a uma hora ele mudaria de ideia, ouviu o oficial mais graduado murmurar enquanto se afastavam. Ivan não pôde deixar de sorrir.
Pouco depois, a sensação de alívio o abandonou, sendo seguida por um sentimento de quebrantamento. Ele não era melhor que nenhum dos outros rapazes de sua igreja. Seus pais haviam sofrido muito no passado. Sabia de pastores que haviam sofrido muito no passado. Sabia de pastores que haviam sido interrogados, presos e enviados a campos de concentração. Entretanto, ele fora várias vezes alcançado pelo poder libertador de Deus. Havia algo dentro de si que desejava repelir aquele privilégio. Não queria receber um tratamento especial do Senhor, não merecia milagres nem mistérios. Ele deveria mesmo estar congelado. Não; ele não era bom. Lágrimas ardentes vieram-lhe aos olhos.
Às 3:00 da madrugada, começou a cochilar. Suas confissões de arrependimento haviam se encerrado. A intercessão por todos os crentes fora repetida várias vezes. Cantara os cânticos natalinos. Orara por todos os oficias que conhecia de vista ou de nome. Clamara a Deus em favor dos soldados de sua companhia. Mas, gradualmente, o seu pensamento ia se esvaindo. Lutou para continuar em oração, mas não conseguia.
De súbito, uma voz despertou-o. O oficial em serviço falava-lhe com brandura.
- Está bem, Moiseyev. Pode entrar agora.
A lua se escondera, o vento cessara. Na densa escuridão reinante, Ivan apertou os olhos tentando divisar o rosto do outro. De pé, ao lado do rapaz, ele pareceu hesitar antes de dizer qualquer coisa. A luz mortiça que provinha do alojamento bateu nas insígnias douradas do quepe. O tom com que lhe falou era carregado de sentimento.
- Afinal que tipo de pessoa é você?
- Senhor?
- Que tipo de pessoa é você que parece não ser afetado pelo frio?
- Ah, camarada; sou uma pessoa comum, mas orei a Deus e ele me aqueceu, respondeu-lhe Ivan suavemente.
Tocando o braço do soldado para que o seguisse, o oficial virou-se, e caminhando lentamente, dirigiu-se ao alojamento.
- Fale-me sobre este Deus, disse.
*******
O major Gidenko estava grandemente perturbado. O relatório que deveria enviar ao coronel Malsin acerca de Ivan Moiseyev era um desafio à razão. Ele sofrera a punição de ficar ao relento, em temperatura inferior a zero grau, durante doze noites seguidas, usando fardamento leve. Era impossível que não estivesse congelando e clamando por misericórdia. Na noite anterior, ele próprio fora vê-lo. É verdade que o seu rosto mostrava-se arroxeado, e ele parecia tonto de sono. A neve fina, soprada pelo vento, apegava-se ao seu cabelo e roupas, fazendo com que se assemelhasse tetricamente a uma estátua. Mas, após quatro horas de exposição ao frio, ele se mantinha tranqüilo, e em melhores condições físicas do que ele, Gidenko, após cinco minutos. Seria possível aquele rapaz suportar aquela temperatura baixa sem senti-la? Era o que parecia. Havia duas semanas que Moiseyev aguentava aquilo. Há muitos anos, o major não se sentia tão perturbado. Até mesmo o seu sono estava sendo prejudicado. A folha do relatório enviada ao coronel Malsin e ao Polit-ruk tinha que ser preenchida. Mas fazia-se claro que o tratamento por punição não estava surtindo os efeitos esperados. Todo o quartel já comentava o caso de Moiseyev. Ele teria de determinar o cessamento daquela vigília pública.”

Em 16 de julho de 1972, Ivan Moiseyev, com 20 anos, é torturado até a morte pelos seus superiores militares e se torna um mártir da Igreja moderna, assinando com sangue seu amor por Jesus. O corpo é entregue aos pais com a justificação do óbito: asfixia por afogamento. Mas, a autópsia exigida pelos pais, revela a verdade; a morte foi causada por uma série de violências. 

A mãe de Ivan, quando viu seu corpo não o reconheceu, mal pode acreditar que era seu filho de tão desfigurado que estava. O rosto estava cheio de marcas de botas, a boca quebrada e as têmporas cheias de hematomas. 

Um dia antes de morrer, em 15 de julho de 1972, Ivan escreveu para seu irmão: 

"Querido irmão, recebi sua carta e demorei responder, porque houve uma grande tormenta. Quando Sergei (amigo de farda de Ivan e também cristão) chegou, ele também sofreu, e seus livros e até postais forma confiscados. Não conte nada a papai e mamãe. Diga apenas: Ivan escreveu, e disse que Jesus vai partir para a peleja. Esta luta é de Cristo, e Ivan não sabe se voltará dela com vida. Desejo a todos os amigos, jovens e velhos, que se lembrem deste verso de Apocalipse 2.10: 'Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida'. Receba esta última carta, na terra, do menor dos irmãos, Ivan Moiseyev".



In Blog  "Prosa Antiga"  de Cassia de Oliveira