terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Uma Crônica de Gióia Junior


O NÓ DA GRAVATA

" Com sua fala mansa ele chegou perto de mim e pediu:
- Pai, faz o nó da gravata!
Era o dia pacientemente esperado e que, depois de muita insônia e ansiedade havia chegado, o dia glorioso do seu casamento. Ele que se preparava para alçar vôo, para romper com suas próprias asas, nuvens e céu azul, vento de tempestade e brisa leve, para abrir com o seu alentado molho de chaves as inúmeras fechaduras das novas responsabilidades de chefe de família, nem mesmo um nó de gravata sabia fazer.

E mais uma vez eu me senti necessário e protetor. Aliás, durante todo o período de preparação do casamento, ao amargo sentimento do afastamento do filho se somava o orgulho justificado de ser indispensável, de romper com minhas mãos o caminho dele, derrubando árvores, afastando obstáculos, abrindo clareiras.

Durante toda a longa espera, as mil teias de responsabilidades que antecedem um casamento, ele nem de leve imaginou que pais e irmãos a todo o instante tiveram que se afastar para esconder as lágrimas que pudesse colocar uma arranhadura de tristeza no vidro transparente de sua alegria derramada.

Chegavam os telegramas e ele esfregava as mãos de contente. Chegavam os presentes e ele abria os pacotes rasgando apressadamente os papéis coloridos e rompendo com força desusada os cordões e fitas, esfregando as mãos de contente. E lia os cartões com os nomes preciosos dos amigos fiéis, e esfregava as mãos. No chão da sala a montanha de presentes com pacotes de todos os tamanhos e cores ia formando uma grande pirâmide. E muitas vezes o encontrei parado ali em frente como um vencedor que contempla troféus de vitória depois de dura batalha.

Muitas vezes me pediu para fazer o nó da gravata. Ele sempre usou camisa esporte, a roupa simples e desbotada da juventude, nunca teve a preocupação do colarinho engomado, do paletó e gravata. Tanto para ir à escola ou ao trabalho, o traje predileto era a camisa mais solta e calça mais velha e o sapato mais identificado com os pés, após muito tempo de uso.
Mas, agora ele assumia novas responsabilidades: uma nova era se iniciava, com as próprias mãos, pelo seu próprio esforço, disposição e coragem abriria suas estradas e marcharia confiante, rumo ao futuro.

Senti um nó na garganta apertando o nó da gravata de meu filho e comecei a sentir falta até do que antes fora contrariedade: uma porta que custa a se abrir na madrugada, uma camisa minha que ele resolve pôr, um par de meias que ele tira da minha gaveta sem avisar, um barbeador meu que ele deixa na pia sujo de pêlos após a barba, a pasta de dente aberta, as gavetas revolvidas e escancaradas, o farelo de pão e bolo atirados no carpete, a televisão ligada a noite inteira porque ele esqueceu de desligar, o barulho da televisão e do aparelho de som não me deixando dormir.

Tudo correu bem durante o casamento. Os amigos não faltaram, os braços se solidarizavam com minha alegria e tristeza. E enquanto nós, seu pai, sua mãe e seus irmãos choramos escondidos e disfarçados a sua dura ausência, ele viveu o momento maior de sua vida, sua alegria e realização. E no quarto em que, com sua amada começou a escrever o poema de uma longa existência feliz, não houve lugar nem mesmo para uma poerinha de saudade, lembrança ou dúvida. Tudo era fogueira de arrebatamento e caudal de esperança.

Combinamos que no fim da tarde do dia seguinte os encontraríamos para levá-los ao aeroporto, de onde com malas e bagagens partiriam para prosseguir na lua-de-mel.

Chegamos e eles já estavam prontos apagando luzes e fechando portas, bem vestidos e de rosto resplandecente.

No seu pescoço a gravata vermelha tinha um nó impecável. Perguntei:

- Quem fez o nó em sua gravata?

- Fui eu mesmo. Ficou bom? - respondeu vaidoso de sua proeza.

E foi ali, vendo que até nó de gravata o novo chefe de família sabia fazer, que entendi que eu já não seria mais necessário. Minha missão estava cumprida."

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